“Seja uma Luz para si Mesmo” — 3 Pontos Essenciais sobre Autoconhecimento.

Ao contrário do senso comum, o autoconhecimento não serve apenas para alcançarmos qualidade de vida, mas para percebermos os conflitos de toda a humanidade.

Nicolas Rufino dos Santos
7 min readFeb 16, 2019
Jiddu Krishnamurti (Source)

“Você precisa ser a sua própria luz, e não a luz de um psicólogo, de um professor, de Jesus, de Buda, ou a de um bom coração. Você tem que ser a sua própria luz, em um mundo que está escurecendo cada vez mais”. Foram essas as palavras de um homem chamado Jiddu Krishnamurti, que se preocupava, além de outros temas relevantes para a qualidade de vida — como a felicidade, a solidão e os relacionamentos — com o autoconhecimento.

Partindo da ideia de Heráclito de Éfeso de que “todos os homens podem conhecer a si mesmos e pensar sensatamente”, existem alguns pontos essenciais que a filosofia aborda para iniciarmos o desenvolvimento do autoconhecimento.

1. O autoconhecimento não depende de nenhuma autoridade externa.

Embora uma de suas frases mais famosas seja a de que “não é sinal de saúde estar bem-adaptado a uma sociedade doente”, Krishnamurti avançou muito nos estudos sobre assuntos relevantes para a humanidade, e um deles é o autoconhecimento. Ao contrário do senso comum, o autoconhecimento não serve apenas para alcançarmos qualidade de vida, mas para percebermos as constantes lutas de toda a humanidade:

“O autoconhecimento é o começo da sabedoria. No autoconhecimento está o universo inteiro; ele abrange todas as lutas da humanidade”.

Krishnamurti afirmava que a “Verdade é uma terra sem caminhos”, que a Verdade está dentro de você, da sua alma, e não dentro de um livro, dogma ou quaisquer sistemas de crenças. “Por que vocês querem ser estudantes de livros em vez de estudantes da vida?”, perguntava ele. Não que os sistemas, métodos e dogmas não sejam importantes. Claramente que são. Eles têm a função de preencher um espaço específico dentro da vida de cada um, mas nossa vida é composta de outros espaços, e um deles só pode ser preenchido por você mesmo por meio do autoconhecimento. Isso é de sua responsabilidade.

Segundo Jiddu Krishnamurti, o desenvolvimento do autoconhecimento não depende de nenhuma autoridade externa, guru ou líder:

Obter autoconsciência é uma tarefa árdua, e como a maioria de nós prefere uma maneira fácil, ilusória, nós criamos a autoridade para dar forma e padrão à nossa vida. Essa autoridade pode ser o coletivo, o Estado ou pode ser o pessoal, o Mestre, o salvador, o guru. Qualquer tipo de autoridade é cega, gera imprudência”.

A visão de Krishnamurti é de que o homem precisa estabelecer sua própria singularidade por meio do encontro com a Verdade, mas como a Verdade é “uma terra sem caminhos”, ela se torna inacessível por quaisquer métodos ou sistemas pré-estabelecidos. A Verdade não se encontra em nenhuma organização ou sistema de crenças, pois “a Verdade não é um ponto fixo”, dizia ele. Nasce, então, a necessidade de desenvolvermos o autoconhecimento a partir de nós mesmos, e não mediante autoridades externas.

Bruce Lee, protagonista do meu artigo anterior e fortemente influenciado pelo pensamento de Jiddu Krishnamurti, entendia que, embora tenhamos “mais confiança no que copiamos do que naquilo que criamos”, é necessário compreender que não existe ajuda externa, mas auto-ajuda, ou seja, você se ajudar, aperfeiçoar seu autocontrole e seguir sua própria direção.

Bruce ainda complementa com dois pontos:

“Há um forte desejo, na maioria de nós, de nos vermos como instrumentos nas mãos dos outros e, assim, livrarmo-nos da responsabilidade de atos que são estimulados por nossas próprias inclinações e impulsos questionáveis.”

“Temos mais confiança no que copiamos do que naquilo que criamos. Não podemos produzir uma sensação de absoluta segurança de nada que tenha a raiz em nós mesmos.”

Para Bruce, o primeiro passo para mudarmos como pessoa é ter a percepção de como somos hoje, afinal, “para nos tornarmos diferentes do que somos, devemos ter certa consciência do que somos”. Para ele, o caminho do autoconhecimento e da autopercepção andam lado a lado, no entanto, “o caminho da percepção de nós mesmos é o mais difícil”.

2. O autoconhecimento é constante, contínuo e interminável. Não é um resultado final.

Krishnamurti ressaltava que o autoconhecimento deve ser visto como um processo contínuo e interminável, e não como um objetivo fixo e final:

“O autoconhecimento não é um fim em si. Há uma fonte para um rio? Cada gota d’água cria o rio do início ao fim.”

Ele também dizia que o autoconhecimento não deve ser visto como um resultado a ser buscado, um fim, pois “não há fim para o autoconhecimento, pois ele é um constante processo de compreensão”.

“Compreender todo o processo de si mesmo requer constante vigilância, consciência, na ação da relação. Deve haver um olhar constante de cada incidente, sem escolha, sem condenação ou aceitação, com certo sentido de impassibilidade, de modo que a verdade de todo incidente é revelada. Mas este autoconhecimento não é um resultado, um fim. Não há fim para o autoconhecimento; ele é um constante processo de compreensão”

Krishnamurti entendia que o autoconhecimento é diferente de autoaperfeiçoamento. O primeiro exige observação sem condenação ou aceitação, e o segundo implica condenação e obtenção de resultados.

Bruce Lee também via dessa forma. Ele acreditava que a Verdade não estava em estilos ou métodos de luta, mas dentro de cada um. É por isso que em sua famosa concedida em 1971, denominada “The Lost Interview”, no The Pierre Berton Show, ele diz

“Eu não acredito mais em estilos. Quero dizer que eu não acredito que haja algo como, o modo chinês de lutar ou o modo japonês de lutar (…) e os estilos tendem a separar os homens, porque eles têm suas próprias doutrinas e a doutrina se tornou a verdade inquestionável que você não pode mudar. Mas, se você não tiver estilos, se apenas disser, “Aqui estou eu, um ser humano, como eu posso me expressar, total e completamente?”… dessa forma, você não criará um estilo, porque estilo é uma cristalização. Assim se entra em um processo de crescimento contínuo.

O espelho do autoconhecimento. (Fonte)

3. Os relacionamentos são uma excelente fonte de autoconhecimento

Em primeiro lugar é preciso lembrar que não estou falando apenas de um relacionamento amoroso, pois tudo na vida é um relacionamento. Krishnamurti entendia que “não existe nada vivo na Terra que não esteja relacionado com uma coisa ou com outra”. Estamos nos relacionando constantemente com as pessoas, com o meio ambiente, com os objetos, etc.

Krishnamurti entendia que a própria função do relacionamento é “revelar o estado de bem-estar da pessoa”, e que o relacionamento “é um processo de autorrevelação, de autoconhecimento”:

Toda a vida é um movimento de relacionamento. Não existe nada vivo na Terra que não esteja relacionado com uma coisa ou com outra. Mesmo o eremita, o homem que parte para um lugar solitário, está relacionado com o seu passado, está relacionado com aqueles que estão ao seu redor. Não há como fugir do relacionamento.

“O autoconhecimento surge quando estamos conscientes de nós mesmos no relacionamento, que mostra o que somos de momento a momento. O relacionamento é um espelho no qual enxergamos como realmente somos.”

Mas por que Krishnamurti compara o relacionamento com um espelho? Porque é no espelho dos relacionamentos que nossas imperfeições se sobressaem, e isso nos permite ver o que realmente existe, sem distorções. Entender o que existe, ou seja, perceber — dentre outros atributos da personalidade — nossos defeitos, exige uma enorme capacidade de percepção e reconhecimento, e esse é o primeiro passo para sabermos lidar com nós mesmos. Nossas ansiedades, medos e inseguranças aparecem no espelho dos relacionamentos, e a percepção desses atributos da personalidade — atributos esses que muitas vezes não gostamos- aparecem quando nos relacionamentos com alguém, e da percepção desses atributos nasce o autoconhecimento.

A partir da observação dos nossos pensamentos, reações, sentimentos temos a oportunidade de saber o que somos, e isso só se dá dentro de um processo de relacionamento. E dessa percepção nasce o autoconhecimento.

Dessa forma, se é necessário desenvolvermos sabedoria para lidar com nós mesmos, mais indispensável e difícil ainda é termos paciência e sensatez para lidar com os outros. Portanto, um relacionamento é uma excelente fonte de autoconhecimento.

Esse autoconhecimento com base no relacionamento é desenvolvido constantemente e implica em nos conscientizarmos sobre de que modo reagimos diante das situações que a vida nos expõe, e isso só é possível através dos relacionamentos, afinal, viver é se relacionar.

Apenas no relacionamento há a possibilidade desenvolvermos uma consciência a respeito de nós mesmos em ação. “Você não se descobre no isolamento nem no recolhimento, mas no relacionamento — com a sociedade, seu cônjuge, seu irmão, etc”, dizia Krishnamurti.

Bruce Lee entendia que a maturidade vinha com o autoconhecimento, pois “ela é a percepção do que está dentro de nós”. E ainda complementa:

“Um relacionamento é um entendimento. É um processo de auto-revelação. Um relacionamento é o espelho no qual você se descobre — ser é estar relacionado”.

O autoconhecimento é desenvolvido a partir do espelho dos relacionamentos. Viver é se relacionar. Não há autoconhecimento no isolamento. Conhecer o outro é se conhecer.

Afinal, conhecer-se a si mesmo é observar o seu comportamento, as suas palavras, o que você faz em seus relacionamentos diários; isso é tudo.”

O desenvolvimento do autoconhecimento exige a percepção dos nossos próprios defeitos e imperfeições, e isso muito difícil de ser desenvolvido, pois essas características aparecem apenas nos relacionamentos.

No entanto, o autoconhecimento nos permite caminharmos com passos mais firmes no chão, ter segurança pessoal, autocontrole e pensar de maneira correta e sensata diante das situações. Isso são sintomas do autoconhecimento.

Isso não significa que não iremos mais cometer erros. Tampouco significa que não iremos mais passar por dificuldades e que os outros não tentarão nos atingir. No entanto, como diz Sêneca: “Não é invulnerável algo que não recebe um golpe, mas aquilo que não sofre ferimento”.

O autoconhecimento depende da percepção de nós mesmos, e isso exige sensibilidade. Uma sensibilidade em relação a tudo e a todos, desprovida de pensamento e julgamento. Trata-se de apenas perceber nossas características, sem tentar mudá-las. E é nos percebendo através da nossa sensibilidade que temos a chance de fazer diferente não só nós mesmos, mas com as pessoas com os quais nos relacionamos.

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Nicolas Rufino dos Santos

PhD student in Administration - Ethics, Virtues and Moral Dilemmas in Administration. Florianópolis, SC, Brasil. Contact: nicolasrufino4@gmail.com