A Calma é a Maior Expressão de Força, Segurança Pessoal e Autocontrole.

A Filosofia Oriental nos ensina que nem sempre o confronto direto é a melhor solução para lidar com o insulto e a provocação.

Nicolas Rufino dos Santos
6 min readApr 13, 2020
Bruce Lee e Peter Archer em Enter The Dragon (1973)

Em agosto de 1973, apenas três semanas após a morte de Bruce Lee, o filme Enter The Dragon foi lançado nos cinemas. Considerado pela crítica como um dos melhores filmes de artes marciais da história do cinema e usado até hoje como referência para a produção de outras obras do gênero, Enter the Dragon acabou surpreendendo muitas pessoas por apresentar cenas de luta muito bem coreografadas e precisas.

Porém, uma das cenas mais surpreendentes desse filme não envolve nenhuma luta. Pelo menos não como costumamos entender. Longe disso. É uma cena em que o personagem de Lee luta de um modo bem diferente do que imaginamos.

Nesta cena, o personagem Lee (Bruce Lee) está em um barco em direção à ilha em que ocorrerá um importante torneio de artes marciais. Um lutador chamado Parsons (Peter Archer), com o objetivo de demonstrar força para intimidar seus concorrentes, agride alguns garotos indefesos que não eram lutadores, apenas estavam encarregados de trabalhar na manutenção do barco. Após as agressões gratuitas, Parsons se aproxima de Lee e pergunta a ele qual é o seu estilo de luta. Lee calmamente responde: “Meu estilo é a arte de lutar sem lutar”.

O que Bruce Lee quis dizer com a expressão “A Arte de Lutar sem Lutar”, dita a Parsons?

Bruce Lee (Fonte: brucelee.com)

“A Arte de Lutar sem Lutar”

“Lutar sem Lutar” significa lutar sem criar conflitos. Quer dizer que devemos saber escolher nossas batalhas diárias e canalizar nossas energias para as coisas que são realmente importantes.

“A água não briga com os obstáculos”. — Roberto Otsu

Muitas pessoas conhecem Bruce Lee pela sua famosa frase, “Be Water, My Friend” (“Seja Água, Meu Amigo”), falada durante uma entrevista ao programa Pierre Burton Show, em 1971. Essa frase é usada por muitas pessoas como inspiração para suas vidas, e ela carrega diversos significados. Um deles é que a água não briga com os pequenos obstáculos.

“Quando temos um objetivo maior em vista, os pequenos contratempos perdem significado. Ou melhor, nossa tolerância aumenta. Daí a necessidade da interiorização para descobrir o porquê de cada um de nós existirmos neste mundo. “Qual é a coisa mais importante da minha vida? Que missão devo cumprir? O que mais me traz a sensação de realização pessoal? De que maneira posso contribuir para o bem da humanidade?” — Roberto Otsu.

Foi o que vimos na cena de Enter The Dragon. Na cena, Lee poderia confrontar o homem que o provocou, mas ele sabia que isso seria um desperdício de tempo e energia. Lee estava num barco a caminho do torneio de artes marciais, seu objetivo mais importante que merecia sua atenção e foco. Ao invés optar pelo confronto direto com Parsons, Lee decidiu contornar a situação e vencê-lo de outra maneira, levantar um dedo sequer.

Após dizer que seu estilo de luta é a “Arte de Lutar sem Lutar”, Lee logo tenta se afastar, mas Parsons o impede, colocando a mão sobre seu ombro. Lee percebe que Parsons não o deixará sair, então propõe a Parsons que demonstre seu estilo de luta na praia, utilizando um pequeno bote para chegar até lá.

Mesmo desconfiado, Parsons aceita a proposta de Lee e sobe primeiro no bote. Sem que Parsons perceba, Lee segura uma corda que amarra o pequeno bote ao barco maior, em que todos eles estavam. Lee não sobe no pequeno bote para ir até à ilha. Ao invés disso, ele usa a corda para afastar o bote do barco maior, deixando Parsons, que está dentro do pequeno bote, totalmente afastado de todos. Encharcado pela água do mar e sem saber o que fazer, Parsons grita: “Me puxe de volta!”, e Lee responde: “Não tente chegar aqui puxando pela corda, ou irei soltá-la”. Em seguida Lee entrega a corda aos garotos da manutenção do barco que foram agredidos por Parsons, que riem da situação constrangedora em que ele estava.

Uma pessoa que nos provoca, ou que nos ofende, nada mais é que uma pequena pedra no fluxo da nossa vida. Se a água resolvesse brigar com cada pequena pedra que aparecesse em seu caminho, ela chegaria atrasada ao mar, e carregada de ressentimentos e mágoas. A água, por ser flexível, consegue contornar qualquer situação, mesmo que esteja diante da pedra mais dura. Mesmo diante de um soco, a água se adapta ao formato da mão humana e não é atingida.

É o que diz Roberto Otsu, importante autor que traz alguns ensinamentos orientais. No livro A Sabedoria da Natureza, Otsu diz que quando a água encontra uma pedra em seu caminho, ela não perde tempo criando conflitos. A água contorna a pedra e segue seguindo sua vida tranquilamente:

“Em vez de pensar em coisas pequenas, é melhor nos concentrarmos em coisas importantes. A água do rio vai para o mar, para o grande. É para isso que ela está no fluxo. É isso que importa.” — Roberto Otsu.

Bruce Lee (Fonte: Brucelee.com)

Otsu ainda diz que:

“Existem diversas situações no cotidiano — quase todas — que são bobagens, simples pedras de rio. Acontecem muitos incidentes em casa, no trabalho, no trânsito, na escola, no hotel, no restaurante, no cinema, mas poucas situações merecem aborrecimento e atitudes drásticas.” — Roberto Otsu.

Em seu livro póstumo, O Tao do Jeet Kune Do, Bruce Lee diz: “Haverá calma e tranquilidade quando você estiver livre das influências externas e não for perturbado. Estar tranquilo significa não ter nenhuma ilusão ou desilusão da realidade.”

Lee ainda escreve que é preciso que sejamos flexíveis de forma serena e consciente: “Não ser tenso, mas estar preparado, não pensar e não sonhar, não ficar imóvel, mas sim flexível, é estar vivo de forma completa e serena, consciente e alerta, preparado para qualquer coisa que possa acontecer”.

O filme The Karate Kid, de 2010, também apresenta essa ideia. Em uma cena específica do filme, Sr. Han (Jackie Chan) salva Dre Parker (Jaden Smith) de uma emboscada e luta com diversos garotos bullies sem machucá-los, apenas se esquivando, se defendendo, e fazendo com o que os próprios garotos batam entre si. Quando Dre Parker acorda na casa de Mr. Han para receber os devidos cuidados dos ferimentos por ter apanhado dos garotos bullies, logo pergunta:

- Como você fez aquilo? Você nem bateu neles. É como se eles batessem entre si. — pergunta Dre Parker.

- Quando você luta contra a raiva que os cega, é melhor você sair do caminho. — respondeu Sr. Han.

O silêncio e a calma são as maiores expressões de força que podemos ter. Alcançar a serenidade é alcançar força. A serenidade se manifesta pelo silêncio e incorporá-la nos permite ter consciência, sensibilidade e flexibilidade suficientes para que possamos nos adaptar a quaisquer situações. Em uma luta a pessoa que mantém a calma tem controle de si próprio consegue antecipar os movimentos do adversário por isso, tem mais chances de vencer. Já o lutador agressivo e dominado pelo ódio vai apanhar cada vez mais. A raiva é um sentimento que cega o indivíduo e o impede de enxergar o que realmente está em sua frente. Calma e silêncio significam segurança pessoal e autocontrole.

Ao longo de sua vida, Bruce Lee trouxe sua filosofia de vida às artes marciais e ao cinema. Segundo ele, “a arte nunca é decorativa, ornamental. Ela é um trabalho de esclarecimento. A arte é uma técnica para adquirir liberdade”.

--

--

Nicolas Rufino dos Santos

PhD student in Administration - Ethics, Virtues and Moral Dilemmas in Administration. Florianópolis, SC, Brasil. Contact: nicolasrufino4@gmail.com